A Internet, o Direito e os Novos Negócios: uma introdução

Há anos repete-se por aí aquele velho adagio de que “a Internet é uma terra sem lei”, como se o ambiente virtual da rede mundial de computadores fosse território livre para todo tipo de conduta ilícita. Esse cenário vem mudando nos últimos anos, com aprovação de leis importantes como o Marco Civil da Internet e na esteira de um Judiciário cada vez mais conhecedor dos meandros da rede. Com isso, ter um negócio que opera ou se utiliza da Internet fica também cada vez mais complicado, com diversas obrigações e pequenas regras que podem trazer grandes problemas para a empresa se não for dada a devida atenção aos detalhes. Hoje estamos aqui para colocar as coisas “em pratos limpos”.

Nessa nova série de artigos vamos explorar os temas mais relevantes para o usuário comum da Internet e, sobretudo, para o empreendedor que tem seu website, portal de notícias, webapp ou mobile app na rede, ou que tira dela, de um modo geral, seu sustento. Pois são duas as perguntas mais comuns: pelo usuário, “Quais são meus direitos?”; pelo fornecedor de produtos ou serviços pela Internet, “O que preciso fazer para cumprir a lei e evitar prejuízos?”

Terra sem lei?

Podemos começar dizendo, sem qualquer embromação, que a Internet não é nem nunca foi uma terra sem lei.

Uma das premissas mais básicas de qualquer ordenamento jurídico (isto é, conjunto de leis) é de que o sistema normativo é completo. “O que isso quer dizer?”, você deve ter se perguntado. E respondo de um modo simples: para que o Direito possa funcionar, ele deve partir do pressuposto que não existem lacunas na Lei, que não existem esses chamados territórios livres, que mesmo quando a Lei não cuida de algo específico, sempre haverá uma regra geral que pode ser aplicado à situação. Mas como isso acontece, se quem cria as leis não é onisciente para prever todas as situações possíveis? O Direito desenvolveu algumas ferramentas para garantir isso.

A primeira delas é o que chamamos de analogia. Em dizeres completos, “a analogia consiste no processo lógico pelo qual o aplicador do direito estende o preceito legal aos casos não diretamente compreendidos em seu dispositivo.” (PEREIRA, 2007, p. 72) Em termos simples, usar a analogia para suprir uma lacuna na legislação é aplicar a uma caso A, não previsto na lei, a mesma regra aplicável ao caso B, previsto na lei, quando os casos A e B são semelhantes. A interpretação e suas variações também são bastante úteis para suprir falhas do legislador: diz-se, por exemplo, que se faz uma interpretação extensiva da lei quando o significado de uma determinada expressão é aumentado para incluir uma situação antes não prevista, mas que demanda, pela semelhança, o mesmo tratamento legal. Podemos mencionar também a utilização de termos de significado aberto na elaboração das leis para permitir que o aplicador do direito (o advogado, o juiz, o promotor) estabeleça, por meio da interpretação, o significado exato daquela expressão diante de um caso concreto, como no caso das expressões “boa fé” ou “proporcional”.

Dito isto, deve ficar claro que todo o Direito vigente, todas as leis em vigor, são plenamente aplicáveis à Internet: o direito de propriedade, os direitos autorais, os contratos, a obrigação de pagar impostos, o direito trabalhista, todos estes existem e são aplicáveis no contexto da Internet, mesmo que a Lei não se refira expressamente à rede.

O maior problema que encontramos, como bem diz o Prof. Marcel Leonardi da FGV-SP, é como garantir a efetividade do Direito na Internet: como garantir que quem vende produtos ou serviços pela rede pague impostos, como garantir que um material protegido por direitos autorais não seja copiado, como garantir que os autores de um crime cometido pela Internet sejam punidos. Adicionando a falta de controle do Estado sobre a Internet, além do fato de ser esta uma rede de escala global, que não tem uma administração central, fica fácil entender porque este é o grande desafio do Direito.

Por onde começar?

Com uma infinidade de leis para seguir, por onde deve começar o usuário ou fornecedor de serviços ou produtos que opere na Internet que deseja se informar melhor sobre seus direitos e obrigações? Vou sempre recomendar que qualquer pessoa que queira uma opinião bem fundada sobre um problema que você vive como usuário (quem sabe invadiram sua conta de e-mail, ou talvez tenham postado ofensas a você em uma rede social) ou como empreendedor (como garantir que meu negócio seja totalmente legal, ou o que devo considerar se quiser expandir meu negócio e operar em outros países?), deve sempre buscar um advogado competente e sério que possa auxiliar com uma opinião profissional. Se seu interesse é apenas a informação, no entanto, fique de olho nos próximos artigos desta série.

No entanto, sem mais rodeios, são 4 as principais fontes de direitos e obrigações para o ambiente virtual: a Constituição Federal, que traz os princípios básicos que regem as leis do país, além de direitos fundamentais de todos os cidadãos; o Código Civil, que sistematiza toda a disciplina dos contratos, da responsabilidade civil por reparar danos causados, os tipos societários que podem ser adotados ao constituir uma empresa e os direitos referentes à propriedade; o Código de Defesa do Consumidor, que é plenamente aplicável na relação entre o usuário de um serviço e seu fornecedor, mesmo que o serviço seja gratuito, e inclui direitos especiais que protegem o consumidor de práticas abusivas do mercado; e o Marco Civil da Internet, lei recente que estabelece regras específicas sobre responsabilidade civil na Internet, privacidade, direitos dos usuários e princípios que regem a operação da rede no Brasil.

Além desses diplomas, podemos citar outros, também importantes, mas que abordam questões mais específicas, como a Lei de Direitos Autorais, que fala sobre a proteção das obras criativas e intelectuais, e o Decreto que regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, que trata especificamente do comércio de produtos pela Internet, o chamado e-commerce. Não obstante, são aqueles quatro diplomas os textos fundamentais de referência para qualquer um que use ou opere na Internet.

O que vem por aí?

Este artigo serve apenas como introdução a um tema muito mais amplo: como a Internet propicia a criação de novos modelos de negócios e quais limites, direitos e responsabilidades a lei impõe aos empreendedores que buscam explorar esse mercado. No próximo artigo, devemos abordar a questão da Responsabilidade Civil na Internet: em quais circunstâncias um provedor de aplicações (quem quer que oferte um website, serviço ou produto pela Internet) pode ser obrigado a indenizar alguém que sofreu um dano. Depois, falaremos um pouco sobre Direitos Autorais na Internet, como evitar a cópia ilegal e a falsificação de conteúdos, como denunciar abusos e o que diz a lei sobre a responsabilidade da plataforma. Encerrando a série de artigos, vamos abordar um dos assuntos mais interessantes atualmente em discussão no país, na mídia e em audiências públicas do Congresso, a Privacidade e a Proteção de Dados no Brasil.

Por isso, se você se interessa pelo mercado dos serviços e produtos digitais, fique ligado nos próximos capítulos!

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